quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Os pingos da chuva

"Ele é o que cobre o céu de nuvens, o que prepara a chuva para a terra, e o que faz produzir erva sobre os montes." (Salmos 147:8)





"Oi, chuva! Senti tua falta".

Eles agridem minha janela com uma suavidade tal que meu desejo é que não mais cessem...

Os pingos da chuva, sinfonia das águas que me visitam trazendo o frescor do céu.

Som contínuo que não enjoa, como o sorriso de quem amamos.

Assim são os pingos da chuva na minha janela.

Como cantiga de ninar que seduz os ouvidos me convida ao sono, mas eu resisto... pois quero sonhar acordado.

E assim devaneia o pregador em madrugada de verão...

Com coração apaziguado pela musicalidade da natureza.

A vida me passa diante dos olhos e eu me sinto feliz.

Feliz pelo som que harmoniza-me a alma exorcizando meus prantos.

Feliz pela paz que me inunda os sentidos mesmo em meio aos tropeços.

Pois, enquanto eu puder ouvir os pingos da chuva na minha janela,

Tal como a harpa que acalma os reis...

Louvarei ao Deus que me fez do jeito que eu sou.


Marcelo de Paula

Para minha amiga, Lu Ribeiro




terça-feira, 30 de outubro de 2012

Se a felicidade se foi...

"Ponha sua boca no pó, talvez haja esperança."   (Lamentações 3:29)

Se a felicidade se foi...
Levou com ela o sentido da vida.
O que fica é o vazio, que velado pela alma angustiada, se engrandece em meio ao nada.

Se a felicidade se foi...
Levou com ela a esperança... os assovios da manhã...
O canto das aves para os quais o ouvido ensurdeceu.




Ah, saudade...
espinho na carne...
mensageiro do abismo...
tormenta sem fim...

Lembranças não faltam...quantos momentos sublimes, sorrisos fáceis, instantes que não se findavam, até que  se foi...
Levou o que havia e o que haveria.

Se a felicidade se foi...
Deixou a ferida, a marca impregnada da ausência...
O suspiro de saudade, o delírio e o gemido nas noites insones.
A crise que perdura, a recusa ao consolo, o mau estar que nunca cessa.

"Porque me rolam lágrimas nas face, assim como são normais sorrisos seus..."

Chora, chora mesmo minh´alma infeliz, pois a felicidade se foi e precisa ser sentida.
Só assim o consolo virá...
Quando desnudada, a alma aflita não fugir mais de si mesma...
Quando as perdas forem tais que você chama por Deus...mas chama de verdade...

Até que se descubra que a felicidade, quando está em Deus, ah... ela jamais se vai.


Marcelo de Paula

Para minha grande amiga F. Guitério


sábado, 20 de outubro de 2012

...até ao Ilírico.

"......de maneira que, desde Jerusalém e circunvizinhanças até ao Ilírico, tenho divulgado o evangelho de Cristo." (Carta de S. Paulo aos Romanos 15:19)




Bem que eu queria...

Olhar da janela e avistar o horizonte sem fim...

Até onde meus olhos pudessem alcançar.

Privilégio de poucos, quase ninguém.

Deixar-me-ia seduzir pelo espelho de Deus emoldurado de luz ao romper da aurora, oh retrato da glória que me enche de paz.

Bem que eu queria... 

Não apenas querer, muito mais que viver...completar-me com o que me basta.

Saber que doando de mim mais de Deus eu vou ter...

Queria pegar na mão do transeunte, ser-lhe o anjo que a muito aguardado traz o anúncio do favor divino.

Queria saciar a sede do nômade, que vagando pelo deserto da existência se guia pelas miragens alucinógenas da ilusão.

Bem que eu queria...

Ter a palavra oportuna quando ninguém mais soubesse o que dizer...

Ser o abraço que aquece, o ouvido que escuta, os olhos que olham nos olhos...

O colo sempre vago e o ombro disponível.

Queria esculpir sorrisos em rostos disformes, vitimados pela desilusão...

Ser o semelhante do que se deplora para que soubesse não estar só.

Bem que eu queria...

Encurtar as distâncias que o meu comodismo exagera...

Falar o idioma da alma silenciada pela ausência de esperança.

Bem que eu queria...

Abrir a janela e ir além do querer...

Respirar o ar da graça e se não houver quem o faça,

Eis-me aqui, Senhor, envia-me a mim.


Marcelo de Paula




quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Trocas...

"Porque a tua benignidade é melhor que a vida..." (Salmo 63:3)


Estava ainda pouco num momento mágico...

Deitado ao lado de meu filho Lorenzo, ao som de uma deliciosa melodia relaxante a nos afagar a alma, trocamos olhares e carícias...

Há dois anos sou escravo desse amor.

Ele ainda não fala muito, com os lábios, mas fala tudo com o olhar.

Me deixei mergulhar na imensidão desse mar azul enquanto as lágrimas me banhavam o rosto.

Em sussurros declarei-lhe meu amor, verbalizei-lhe todos meus sentimentos... e ele sorria, como se entendesse cada palavra.

Uma sensação incrível de bem estar e harmonia interior se apoderou de mim.

Agradeci a Deus por esse presente maravilhoso. Por um momento questionei:

Que mais posso querer da vida?

Quando me dei conta, Lorenzo já dormia...Vê-lo dormir me enche de paz...

Enquanto ele dorme eu devaneio, vivencio o êxtase de ser pai de um príncipe, sem ser rei...

Lorenzo pra mim é a expressão mais sublime do amor de Deus por minha vida.

Só Deus sabe como estava minha alma e como ficou esta, depois que essa alminha veio ao mundo.

Meus dias tem mais sol, meus lábios tem mais riso...
Meus versos tem mais rima, quando escrevo de improviso.

Tudo a minha volta ganha vida e energia...
E eu suspiro de prazer em meio a toda esta harmonia.

Deus do céu que dá sentido a minha vida em todo tempo,
Faço desse devaneio teu altar nesse momento...

Pra orar por meus leitores e também por seus rebentos,
Que apartado deles sejam qualquer dor e sofrimento.


Marcelo de Paula




sexta-feira, 5 de outubro de 2012

As voltas que o mundo dá...

"O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta fazendo os seus circuitos" (Eclesiastes 1:6)




Sempre acreditei que a vida tem um sentido, que não sou fruto do acaso e muito menos poeira cósmica.

Ainda assim, me sinto como que suspenso no nada, entre a terra e o céu, ciente da minha finitude em cada amanhecer.

A vida, que em alguns momentos me fascina, noutros me intriga...

Como barco à deriva navego entre a complexidade e a simplicidade da existência.

Contemplo o belo e experimento a calma, mas também vejo a dor que me perturba a paz.

O mundo vai girando trazendo a cada dia suas novidades, convocando-me a viver desobrigado de entendê-lo...

Apenas viva, me diz ele, ignorando o meu espanto..

Por vezes, me retiro...procurando um vazio que me acolha...

A solidão produtiva em que me reencontro.

Ser humano não é fácil...

A consciência de si é o preço pela supremacia na criação.

O mundo vai girando e as estações se alternando sem, contudo, nos dizer as razões do seu mover.

Nada sabemos do amanhã.

Programamo-nos, planejamos, nos preparamos...

Mas o momento seguinte é uma incógnita.

Assim vamos vivendo, cercados de incertezas, mas nutridos de esperança de que no fundo, para tudo há um sentido.

Almejamos por respostas e  descobrimos com o tempo que é possível viver sem elas.

Na verdade o que é preciso saber, sabemos... Somos frágeis, mas há um Deus que nos sustenta.

Um Deus que dividiu com a gente a grandeza do existir, tendo o cuidado de nos limitar o conhecimento.

Não somos super humanos, somos apenas seres humanos.

Somos bem menos do que queríamos ser, mas somos essencialmente como Deus nos fez.

Tudo o que precisamos, temos... Se nos falta é que não nos demos conta de onde encontrar.

Não suprimos nossas ausências experimentando de tudo e raramente nos satisfazemos com o que alcançamos.

Quantas voltas deu o mundo desde que nasci...!

Em todas elas percebo o cuidado e o carinho de Deus para comigo.

Em meio aos meus erros e acertos me guiou até aqui...

Em cada noite mal dormida,
Em cada lágrima que correu...
Em cada sonho interrompido,
Em cada dor que me doeu...

O mundo foi dando voltas,
E eu fui me dando conta...

Em cada noite descansada,
Em cada sorriso que me permiti...
Em cada sonho realizado,
Em cada alivio que senti...

O mundo foi dando voltas,
E eu fui me dando conta...

De que a vida é feita pra se viver e, quem sabe, às vezes...

...Compreender.



Marcello di Paola