sexta-feira, 18 de maio de 2012

Diálogo com a tristeza...

...a minha alma está profundamente triste até a morte... (Evangelho de S. Marcos 14:34)



A tristeza é um dos sentimentos mais dolorosos que se impõe às almas.

Ver alguém triste me deixa triste...

O olhar de uma pessoa triste denuncia seu estado de espirito, nada precisa ser dito, somente compartilhado.

Só Deus sabe o que vai num coração assim.

Não quero devanear sobre as causas da tristeza, que sabemos ser muitas, mas do sentimento em si.


Tristeza que se me abate, de quando em quando... de vez em vez
conta pra mim ao pé do ouvido, cá entre nós, quem foi que te fez...?

De onde vens, o que quereis e onde pretendeis chegar?
estás só de passagem  ou vieste mesmo pra ficar?

És visita inesperada e inconveniente também
espero que ao partires de mim não estorves mais ninguém.

Oh tristeza, tristeza minha , musa da dor e sofridão
fica o tempo que precisas, mas não me pare o coração...

Eu olho as flores no campo, eu vejo a chuva que cai,
sabes que estou sofrendo mas mesmo assim não se vai...

Já é alta madrugada, me desculpe... eu vou dormir...
amanhá é outro dia e com certeza eu vou sorrir.

A esperança que se renova enquanto meu corpo descansa
e ao me levantar, oh tristeza, sequer de ti terei lembrança.


Marcello di Paola







segunda-feira, 14 de maio de 2012

O Ministério do sofrimento...


“Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens, homem de dores e que sabe o que é sofrer...” (Isaias 53: 3)


Talvez o sofrimento seja a experiência universal mais temida que exista. Não há quem dele escape. Ele subsiste em muitas formas, pode ser físico ou psicológico ou muitas vezes uma combinação dos dois.

Já se disse que “viver é sofrer” e qualquer um que submeta sua vida a um escrutínio biográfico, lhe verá pontuada por momentos de sofrimento. Eles podem variar em tempo e intensidade e, de nossa reação a eles, dependerá nossa serenidade ou nosso desespero.
A condição de quem sofre desperta em nós misericórdia, isto é, é natural que seja assim, de sorte que exercer misericórdia tem a ver com empatia, que é a capacidade de sofrer junto.

O sofrimento é um assunto recorrente na filosofia desde seus primórdios.

Os estóicos ensinavam que qualquer espécie de sofrimento deveria ser tido como algo que o destino nos tivesse preparado e, por isso, debalde seria a preocupação inútil que roubava a paz e perturbava o espírito.  Isso não significa dizer que esses filósofos não sofriam, mas que viam no sofrimento um exercício de libertação e de busca elevada do espírito.

Schopenhauer, por sua vez, dá-nos - como possibilidade transitória de escape do sofrimento - a contemplação do belo artístico. A arte, segundo o autor de o mundo como vontade e representação, traz um alívio para os fardos deste nosso viver, e a música nesse particular tem uma grande importância: "Uma sinfonia de Beethoven descobre- nos uma ordem maravilhosa (...) Depois de ter meditado longamente sobre a essência da música, recomendo o gozo desta arte como a mais deliciosa de todas. Ouvir longas e belas harmonias, é como um banho de espírito purifica de toda a mancha, de tudo que é mau, mesquinho", diz Schopenhauer. (p. 146, Dores do mundo)

Kierkegaard, como alívio e superação do sofrimento recomenda-nos à Fé. Esta é o antídoto para todo o desespero e angústia que perpassam o "eu" humano. Aliás, a fé é na concepção kierkegaardiana o último salto existencial do indivíduo para chegar àquele que pode livrá-lo de todo sofrimento.

O certo é, segundo Eric Froom, (Psicanalista e escritor alemão) “que o homem é o único animal cuja existência é um problema” e o seu existir muitas vezes é por sofrimento, perturbações, desassossegos que o deixa sem sentido.

Deixando de lado agora as considerações filosóficas, e partindo pra uma reflexão mais teológica, o sofrimento é algo que dificilmente poderia ser associado a um ministério. 

Ninguém sofre por função ou por ofício. O sofrimento é uma anomalia da condição humana.
Se bem que há aqueles que parecem preferir fincar as estacas de suas tendas à margem do rio da amargura.

A exceção, na minha percepção, é a figura da mãe.

Algo me diz que o exercício da maternidade é o cumprimento de um mandato de sofrimento.

Mãe sofre e como sofre!

Reparem nas mães da bíblia:

Ana - mãe de Samuel 
                              
Joquebede – mãe de Moisés

Maria – mãe de Jesus  
     
Em comum com muitas outras na bíblia e ao longo da história humana, estas mães tiveram que abrir mão de seus filhos.
E é nessa relação entre mãe e filho que o sofrimento assume contornos dramáticos.

Passar noites em claro velando o filho adoecido.

Deixar o filho(a) na creche ou escolinha para só reavê-lo ao fim do dia após uma extenuante jornada de trabalho.

Acompanhar o afastamento natural do filho que cresce.

Ver o filho(a) partir para o campo missionário.

Entregar o filho(a) para o genro ou a nora.

Vivenciar a experiência de ver o filho chorar de fome.

e...

sem dúvida, a pior de todas as dores e sofrimentos...

sepultar o filho.

Acredito que nenhum sofrimento se aproxima mais da “via crucis”...

Se com a mulher inaugurou-se o sofrimento em forma de dor física ao se ausentar do paraíso, o ápice do sofrimento físico e psicológico foi vivenciado por um Filho, no calvário, que para isso também teve que se ausentar do Paraíso.

Toda forma de sofrimento está associada ao distanciamento do paraíso, o que equivale dizer que enquanto vivermos nesse planeta, estamos fadados a vivenciar a experiência do sofrimento e da dor.

O evangelho que está sendo pregado em muitas igrejas é um evangelho que ignora a realidade do sofrimento... que promete o paraíso na terra.

Gosto de um cântico que diz: "Levarei eu também minha cruz, té por uma coroa trocar".

O levar a cruz que o cristianismo legítimo propõe, é levar tudo que a cruz representa, a saber, vergonha, dor, desprezo, horror.

Nós temos ao nosso lado um especialista em sofrimento que prometeu nunca nos desamparar, um homem de dores e que sabe o que é sofrer.
Ele prometeu que um dia enxugará dos olhos todas as lágrimas.

A melhor forma de enfrentar o próprio sofrimento é exercer o ministério da consolação, consolar e levar paz a outros que sofrem tanto quanto ou mais que nós.

A alguns anos, escrevi aqui mesmo um devaneio intitulado, "Onde estão os consoladores?", que versa sobre esse assunto.

Por mais que o sofrimento seja uma realidade em nossas vidas e nos importune, de nada adianta ficarmos lambendo nossas feridas. Se cuidarmos uns dos outros estaremos nos aliviando mutuamente.

Desfaça, portanto, sua tenda das margens do rio da amargura e apegue-se à promessa de Cristo registrada por seu discípulo amado, João:

"Quem crer em em mim, do seu interior fluirão rios de água viva".


Marcello di Paola

Síntese da preleção que ministrei por ocasião do dia das mães na Comunidade dos Cadianos (Maio de 2012)

sábado, 5 de maio de 2012

Palavras e olhares...

"Que as palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam agradáveis..." (Salmos 19:14)



Palavras...

Palavras que nos são ditas, tantas vezes banhada em mel...

que ouvidos há que delas não gostem?

Eu amo ouvir e amo falar.

Por vezes, no entanto, elas não partem de mim como gostaria...

e também não me chegam...

São momentos que ferimos e somos feridos pelas flechas pontiagudas da incompreensão.

Nada como se comunicar olhando nos olhos...

Eles dizem muito mais que os lábios...dizem até em silêncio.

É pena que tantas vezes nosso interlocutor  esteja tão somente ao alcance da voz.

Ah, se pudesses me olhar nos olhos...

tantos mau entendidos sequer existiriam.

Mas o que fazer com a palavra dita, com a flecha lançada e a oportunidade perdida?

Infelizmente já foi...

Fica a ferida que não era pra ter por causa do olhar que não existiu.

Olhar nos olhos é mergulhar na alma do outro, por isso que muitos não o fazem...

não aprenderam a nadar em sentimentos...

Se os olhos me são as janelas da alma, quero ser o anfitrião de muitos amigos...

quero hospedar-te em meu coração...

Até as palavras do Cristo, por vezes, foram duras... mas seu olhar foi sempre de amor e compaixão.

"Fitando-o, o amou", notou o evangelista no diálogo entre o mestre e um jovem rico.

Aprendi com alguém por quem nutro gratas memórias que: "nem tudo que a gente sabe, tem o direito de dizer e, mesmo se for dizer, que seja dito com jeitinho".

Às vezes me falta esse jeitinho, admito.

Entre palavras e olhares, no entanto, vou me redescobrindo na medida em que aprendo com os erros.

Do que saiu de minha boca ferindo, sem chance de tornar atrás, só posso contar com seu perdão...

mas que jamais, ao me olhar nos olhos, estes não lhe transmitam ternura, verdade, docilidade e amor...


Marcello di Paola




quarta-feira, 2 de maio de 2012

Simplesmente viva...

"Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças..." (Eclesiastes 9:10)



Ao espiar pela fresta da cortina nessa manhã, o dia me pareceu desanimador.

Garoa fina e frio cortante...cenário perfeito para ficar em casa.

Me dei conta do quanto permitimos que as circunstâncias determinem nosso humor...

Na verdade, as circunstâncias muitas vezes funcionam como o álibi oportuno para nossa vontade medíocre.

Quando queremos de fato, não há tempo ou circunstância que nos impeça.

A vida não precisa ser um peso, a despeito de todos os infortúnios.

Abrir os olhos a cada manhã, seja no verão ou no inverno, no outono ou na primavera, é uma graça que nem todos alcançam.

Aproveita enquanto podes...

Mantenha seus planos, se precisar mudar, faça-o com alegria, pois o Deus da providência sabe de todas as coisas.

O dia é uma dádiva, o que fazer com ele é escolha.

O desencantamento com a vida é paralisador...ao final do dia percebemos que nada produzimos, nem ao menos, um sorriso, que raramente não é retribuído.

O que percebo é que o inimigo de nossas almas conspira o tempo todo contra a nossa felicidade.

Mas, olhe para você...

Se pôde me ler até aqui é porque teus olhos ainda te servem bem, fostes alfabetizado(a), tens acesso à tecnologia de alguma forma...

Não te parece motivo suficiente para dar glórias a Deus?

Se não for, ainda, quero te dar apenas mais um motivo...

Para estares aqui, me lendo...é porque Deus ama a tua vida.

Muitos ficaram pelo caminho...muitos não abriram os olhos hoje...não viram a chuva fina e não sentiram o frio na face e, por isso mesmo, outros choram enlutados.

Que o bom Deus as console em sua infinita misericórdia...

E que a ti, meu bom amigo(a), Deus conceda a graça de perceber sua grandeza e infinitude, que está à sua disposição...ao alcance de uma simples oração.

Respire fundo, querido(a) e...

...simplesmente, viva.


Marcello di Paola




terça-feira, 1 de maio de 2012

Noite fria...

"...a quem enviarei, e quem há de ir por nós"? (Profecia de Isaías)



E cai a noite fria...escura, silenciosa, solitária e gélida...

Como agulhas aquecidas no braseiro me penetra a alma...

Mas eu procuro tais noites e não fujo dos sofrimentos que me propõe.

Refletir ao luar sob o orvalho cortante da madrugada é opção do pregador.

Não, não se trata de um castigo auto imposto...não preciso mais me penitenciar...

afinal, o preço pela minha alma já foi pago na cruz.

Mas necessito mergulhar nessa noite infernal. Tenho encontro marcado com semelhantes meus que, moribundos, cambaleiam tateando uma espiritualidade vazia.

Almas que clamam por alívio...atormentadas por lembranças, medos, remorsos e decepções sem fim.

Precisam de um par de ouvidos dispostos a ouvi-las...se possível, quem sabe, um ombro amigo para chorarem seus lamentos...ou ainda, uma boca que fale além do que já sabem...

Como posso diante disso aninhar-me em edredons macios contemplando o balé do fogo sobre o crepitar das brasas?

Sei que não são poucos os que procuram sentido pra existência ou razões para má sorte...

Outros já se conformaram com o esquecimento, com o desprezo, com a vida à margem, com a sobrevivência...

Preciso lhes dizer que a noite não durará para sempre por mais longa que pareça.

Aquela estrela que brilha intensa no céu límpido, foi Deus quem pôs lá...

assim como aquela lua prateada que te sorri...

Até na escuridão da noite gélida, Deus se manifesta aos que se pensam esquecidos...

É esse amor que me constrange a pregar em devaneios.

Que pregador necessita de um  púlpito nas catedrais geladas da indiferença, quando pode mergulhar na noite fria para levar o pão da vida?

A quem enviarei? Pergunta Deus pela boca do profeta...

Eis-me aqui, Senhor, envia-me a mim...

...responde o pregador.

Não quero ver sozinho o sol despontar lá no horizonte...

Quero me aquecer na companhia dos loucos e pagãos, dos doentes e enfermos...

Junto daqueles por quem Deus resolveu se fazer homem para encontrar.



Marcello di Paola


Sensibilidade


"... revesti-vos do amor, que é o vínculo da perfeição." (S.Paulo, Apóstolo aos Colossenses)



Em meus devaneios por estes dias tenho meditado sobre a sensibilidade.

Dependo dela para escrever, por isso tenho escrito pouco.

Ela tem rareado em toda parte.

Talvez o mundo agressivo em que vivemos a tem afugentado.

Mas enquanto restar vestígios dela em mim, atrever-me-ei a escrever...

pois é dançando com as letras que minha alma ensaia os movimentos da vida.

Que não me falte a lágrima sentida pela dor que não é minha...
Que passe a ser...

Que não me falte o canto para ninar meu filho, se me faltar a voz...
que eu assovie...

Que não me falte o ânimo para regar o jardim, mas se faltar água...
que eu ore a Deus pedindo chuva...

Que não me falte alegria para rir com os amigos, mas se faltar...
que eu me permita contagiar por eles.

Que não me falte o sorriso ao encontrar a noiva no caminho, mas se faltar...
que em pensamento lhe deseje a felicidade.

Que não me falte  palavras de incentivo a você, mas se faltar...
que eu esteja sempre perto.

Que não me falte a lembrança do teu aniversário, mas se faltar...
que eu lhe peça desculpas com profundo arrependimento.

Que não me falte recursos para auxiliar o próximo, mas se faltar...
que eu chore.

Que não me falte tempo para visitar o amigo, mas se faltar...
que eu telefone.

Que não me falte o romantismo que alimenta a relação, mas se faltar...
que eu reaprenda a te trazer flores...
que eu reaprenda a dizer que te amo...
que eu reaprenda a te levar o café na cama...
que eu reaprenda a elogiar tua beleza...
que eu reaprenda a te escutar...
que eu reaprenda a te conquistar...

que enfim...

eu reaprenda a viver.


Marcello di Paola

Música para devanear - Ennio Morricone ...