“Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens, homem de dores e que
sabe o que é sofrer...” (Isaias 53: 3)
Talvez o sofrimento seja a experiência universal mais temida que exista.
Não há quem dele escape. Ele subsiste em muitas formas, pode ser físico ou
psicológico ou muitas vezes uma combinação dos dois.
Já se disse que “viver é sofrer” e qualquer um que submeta sua vida a um
escrutínio biográfico, lhe verá pontuada por momentos de sofrimento. Eles podem
variar em tempo e intensidade e, de nossa reação a eles, dependerá nossa
serenidade ou nosso desespero.
A condição de quem sofre desperta em nós misericórdia, isto é, é natural
que seja assim, de sorte que exercer misericórdia tem a ver com empatia, que é
a capacidade de sofrer junto.
O sofrimento é um assunto recorrente na filosofia desde seus primórdios.
Os estóicos ensinavam que qualquer espécie de sofrimento deveria ser
tido como algo que o destino nos tivesse preparado e, por isso, debalde seria a
preocupação inútil que roubava a paz e perturbava o espírito. Isso não significa dizer que
esses filósofos não sofriam, mas que viam no sofrimento um exercício de
libertação e de busca elevada do espírito.
Schopenhauer, por sua vez, dá-nos - como
possibilidade transitória de escape do sofrimento - a contemplação do belo
artístico. A arte, segundo o autor de o mundo como vontade e representação,
traz um alívio para os fardos deste nosso viver, e a música nesse particular tem
uma grande importância: "Uma sinfonia de Beethoven descobre- nos uma ordem
maravilhosa (...) Depois de ter meditado longamente sobre a essência da música,
recomendo o gozo desta arte como a mais deliciosa de todas. Ouvir longas e
belas harmonias, é como um banho de espírito purifica de toda a mancha, de tudo
que é mau, mesquinho", diz Schopenhauer. (p. 146, Dores do mundo)
Kierkegaard, como alívio e superação do
sofrimento recomenda-nos à Fé. Esta é o antídoto para todo o desespero e
angústia que perpassam o "eu" humano. Aliás, a fé é na concepção
kierkegaardiana o último salto existencial do indivíduo para chegar àquele que
pode livrá-lo de todo sofrimento.
O certo é, segundo Eric Froom, (Psicanalista
e escritor alemão) “que o homem é o único animal cuja existência é um problema”
e o seu existir muitas vezes é por sofrimento, perturbações, desassossegos que
o deixa sem sentido.
Deixando de lado
agora as considerações filosóficas, e partindo pra uma reflexão mais teológica, o sofrimento é algo que dificilmente poderia ser associado a um ministério.
Ninguém sofre por função ou por ofício. O sofrimento é uma anomalia da condição
humana.
Se bem que há aqueles que parecem preferir fincar as estacas de suas
tendas à margem do rio da amargura.
A exceção, na minha percepção, é a figura da mãe.
Algo me diz que o exercício da maternidade é o cumprimento de um mandato
de sofrimento.
Mãe sofre e como sofre!
Reparem nas mães da bíblia:
Ana - mãe de Samuel
Joquebede – mãe de Moisés
Maria – mãe de Jesus
Em comum com muitas outras na bíblia e ao longo da história humana,
estas mães tiveram que abrir mão de seus filhos.
E é nessa relação entre mãe e filho que o sofrimento assume contornos
dramáticos.
Passar noites em claro velando o filho adoecido.
Deixar o filho(a) na creche ou escolinha para só reavê-lo ao fim do dia
após uma extenuante jornada de trabalho.
Acompanhar o afastamento natural do filho que cresce.
Ver o filho(a) partir para o campo missionário.
Entregar o filho(a) para o genro ou a nora.
Vivenciar a experiência de ver o filho chorar de fome.
e...
sem dúvida, a pior de todas as dores e sofrimentos...
sepultar o filho.
Acredito que nenhum sofrimento se aproxima mais da “via crucis”...
Se com a mulher inaugurou-se o sofrimento em forma de dor física ao se
ausentar do paraíso, o ápice do sofrimento físico e psicológico foi vivenciado
por um Filho, no calvário, que para isso também teve que se ausentar do
Paraíso.
Toda forma de sofrimento está associada ao distanciamento do paraíso, o
que equivale dizer que enquanto vivermos nesse planeta, estamos fadados a vivenciar
a experiência do sofrimento e da dor.
O evangelho que está sendo pregado em muitas igrejas é um evangelho que
ignora a realidade do sofrimento... que promete o paraíso na terra.
Gosto de um cântico que diz: "Levarei eu também minha cruz, té por uma coroa trocar".
O levar a cruz que o cristianismo legítimo propõe, é levar tudo que a cruz representa, a saber, vergonha, dor, desprezo, horror.
Nós temos ao nosso lado um especialista em sofrimento que prometeu nunca
nos desamparar, um homem de dores e que sabe o que é sofrer.
Ele prometeu que um dia enxugará dos olhos todas as lágrimas.
A melhor forma de enfrentar o próprio sofrimento é exercer o
ministério da consolação, consolar e levar paz a outros que sofrem tanto quanto
ou mais que nós.
A alguns anos, escrevi aqui mesmo um devaneio intitulado, "Onde estão os consoladores?", que versa sobre esse assunto.
Por mais que o sofrimento seja uma realidade em nossas vidas e nos importune, de nada adianta ficarmos lambendo nossas feridas. Se cuidarmos uns dos outros estaremos nos aliviando mutuamente.
Desfaça, portanto, sua tenda das margens do rio da amargura e apegue-se à promessa de Cristo registrada por seu discípulo amado, João:
"Quem crer em em mim, do seu interior fluirão rios de água viva".
Marcello di Paola
Síntese da preleção que ministrei por ocasião do dia das mães na Comunidade dos Cadianos (Maio de 2012)