sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Quietude...


"Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus..." Salmo 46:10

Nos tempos modernos somos cercados pelos barulhos da vida. Quantos não vislumbram a chance de estar num campo cheio de verde contemplando o véu das cascatas, ou numa ilha distante banhada por ocenos azuis, longe de tudo e de todos...deitado ao cair da noite num colchão de areia branca, iluminado pela lua, mergulhando nas estrelas ao som das ondas espumantes que se quebram logo adiante.

Cenário perfeito para se econtrar com Deus e consigo mesmo...

De volta do devaneio, percebemos o quão raro são estes momentos de paz em meio ao conturbado mundo em que vivemos. Muito mais que os barulhos exteriores, nos atormentam os ruídos da alma que se manifestam em formas de exigências, cobranças, inquietações e angústias sem fim. Problemas (reais e imaginários)que se acumulam...medos que nos escravizam e subtraem o prazer pela vida, que era para ser um dom.

Em meio a tudo isso, ouvimos o salmista dizer quase que sussurrando: "Aquietai-vos", "Aquietai-vos e sabei que Eu sou Deus"...

O silêncio interior é uma pré condição para a manifestação divina. Não dá para se experimentar Deus com um coração agitado. Por mais justificaveis que pareçam nossas inquietações, a palavra para quem deseja experimentar Deus é uma só, "aquietai-vos""

É na quietude que nos rendemos. O salva vidas terá dificuldades em salvar o afogado que se debate...que não se entrega à experiência de seu salvador.

A vida é um dom de Deus. Foi doada a nós para ser vivida em abundância. Porém, nossa natureza decaída nos condiciona a viver segundo a lógica perversa de um sistema opressor que rege o mundo. Falta-nos tempo para silenciar, para se aquietar. O tempo converteu-se em inimigo na medida em que tornou-se curto demais para nossas demandas diárias. Não temos mais tempo para Deus...não temos mais tempo para nós...

Por isso que tão poucos exalam Deus por onde passam. Deus ainda é visto nas palavras, mas muito pouco nas pessoas...

Deus sempre será o absoluto distante, o infinito intocável para os que não se aquietam...

Aquietar-se é o grande segredo para se redescobrir Deus e a si próprio. Aquietar-se requer rendição, requer rompimento com o modelo vigente que associa tempo ao dinheiro.

Se conseguirmos aquietar nosso coração e nossa alma, aquele cenário paradisíaco de que falava-mos a pouco não será só um devaneio. Será a nossa realidade cotidiana em meio aos barulhos ensurdecedores da vida.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Graças e (des)graças...


Faz tempo que não escrevo, é verdade.

O pregador por vezes se retira, sai de cena. As razões podem ser muitas, desde falta de tempo até ausência total de inspiração. Neste caso, um pouco dos dois. Muitas coisas me tem sobrevindo nos últimos meses, umas boas outras ruins. Desde a notícia de que serei pai pela primeira vez, até a de que posso perder um amigo iminentemente, tomado por um câncer cerebral devastador.

A vida é assim, me conformo, ainda que contrariado...feita de sorrisos e lágrimas. O sorriso cada vez mais raro na medida em que a infância se distancia. As lágrimas cada vez mais presente na medida em que a idade se aproxima e com ela a constatação de que tudo é fugaz.

Vida por meio do filho que é gestado, morte que ronda o amigo de velha data. Contradições da existência que me mantém encerrado no cárcere da dúvida.

Graças a Deus! É só o que posso dizer...Graças pelas graças e pelas (des)graças!!!

Se em tudo devo dar graças é porque até as (des)graças tem em si uma graça oculta.

Repito o que sempre digo e escrevo: "A gente não sabe o que diz, Deus sabe o que faz".

Nas interrogações que ficam sem respostas, cabe outra pergunta:

Precisamos mesmo de respostas, ou a fé nos basta?

Deus é PERFEITO demais para errar...BOM demais para ser cruel e GRANDE demais para se explicar.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

E o mundo descobriu o Haiti...


Estive pensando por estes dias sobre o que escrever referente ao Haiti.
Meu último artigo foi sobre a tragédia de Angra. O enredo da tragédia é uma constante no discurso dos escritores. É relativamente fácil escrever sobre tragédias. Os leitores ficam mais sensíveis nestas circunstâncias, mais emotivos e solidários e menos críticos.

Por isso mesmo, não quero escrever sobre o Haiti. Tem se falado muito em Haiti e pouco sobre o homem, este ser que só nota o "outro" quando está morto, de preferência numa tragédia, ou prestes a morrer sob os escombros da indiferença.

Eu quero escrever e que fique registrado, existe uma tragédia maior que a que acometeu o pobre território haitiano com suas dezenas de milhares de vidas dizimadas.

Passamos todos os dias por "haitianos" sem nos comover. Eles estão lá...entre os carros nos faróis das avenidas, nos lixões a procura dos restos que não servem mais a burguesia consumista da era globalizada. Estão debaixo dos viadutos ou amontoados nos barracos que quando não são destruídos pelo fogo, o são pelas águas das enchentes ou pelos deslizamentos barrentos. Estão nos canaviais trabalhando de sol a sol pausando apenas para comer suas marmitas frias. Estão nas praças cheirando cola ou nas cracolândias da vida no aguardo, quem sabe, de uma tragédia maior que os faça visíveis. Cenas do cotidiano emolduradas num quadro que acostumamos a ver sem sentir.

Aí me pergunto...se nossos próprios "haitianos" nos são invisíveis, como podemos ver os haitianos do Caribe?

Ah, sim...a mídia...a mídia que se alimenta da tragédia não só para informar, mas também hipnotizar seus ávidos espectadores. Tragédia vende...dá IBOPE...sacia a curiosidade mórbida de seus consumidores.

Mas eis que a generosidade brota da tragédia. O mundo se une em prol do país desolado. Os governos e voluntários se mobilizam numa sinergia sem precedentes e o Haiti se torna visível. Descobre-se o Haiti! "O Haiti é aqui!...Não, não é aqui!", já dizia Caetano...

Não poucos perguntam nessa horas...

Existe mesmo um Deus? Se existe, onde está que não impediu tamanha tragédia?

Pra que saber onde está Deus? Por que não perguntamos onde NÓS estamos???

Será que estamos onde deveríamos estar?

O fato de Deus existir fará de você um seguidor dEle? Te fará sensível as mazelas alheias em qualquer tempo?

Ah, homem...és barro...barro frágil como teus semelhantes. Obra das mãos do mesmo oleiro. Se estás em posição de honra é por absoluto desígnio Divino e não méritos próprios.

Hoje o homem se assombra com a fúria da natureza, amanhã, já envolvido pelos afazeres, se esquece. A reflexão é curta,pobre,rasa, quando não inexistente.

Eu digo que Deus existe sim, mas está tão invisível como estava o Haiti até esta tragédia.

Estou convencido pelo que entendo dos ensinamentos do Cristo, que não se verá Deus, enquanto não se olhar e VER aqueles que foram feitos à sua imagem e semelhança,de preferência enquanto estão vivos, se é que me entendem.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Elevo os meus olhos para os montes de onde deslizará o barro...


Virada de ano...2009 / 2010...chove intensamente no sudeste brasileiro.
Após as boas vindas ao novo ano com queima de fogos, entre fotos, comida farta , champanhe, vinhos, música, danças e abraços, as famílias se recolhem aos pés do monte a beira mar. Paisagem paradisíaca de cartão postal. A madrugada mergulha no silêncio, mas não por muito tempo. Um estrondo seguido de deslizamento soterra pousadas e casas de veraneio, sepultando sonhos horas antes compartilhados e brindados em meio a sorrisos eternizados na esperança.
Ao ver as imagens dos parentes enlutados com os rostos deformados pelo desespero, meu coração também se deforma de aperto com a angústia dos agustiados. Elevo as mãos a cabeça e inquiro: Meu Deus, por que??
A morte de qualquer ser humano me diminui, já dizia um pensador...
Assim, eu me sentia e me sinto, diminuto, um menos que nada, enquanto escrevo estas palavras. Mais uma vez o pregador se vê mudo e desnudo diante do espelho. O que dizer a um enlutado? Pior, a vários enlutados???

A festa que se converte em luto...o passeio que se converte em cortejo fúnebre...o sonho que se converte em pesadelo...o paraíso que se converte em inferno...o riso que se converte em choro...o sono que se converte em morte ...o ano novo que se converte em pranto...eis os paradoxos do existir.

O barro lamacento que enfeia a paisagem outrora arrebatadora, relembra que o homem é pó e ao pó tem que tornar...

E eu que sempre vi beleza na chuva, hoje descubro que ela também mata...

Não tinha familiares e nem amigos lá, os laços que me fazem solidário é o da semelhança e da impotência, também sou pó...

Em momentos assim o chão nos foge dos pés, o sentido da vida nos diz adeus e a realidade zomba de nossa já minguada esperança.

A fé é testada no seu limite...

No ápice da sua dor, o grande Jó disse: "Ainda que Ele me mate nEle esperarei".

"Elevo os meu olhos para os montes", dizia o salmista... Hoje, elevo os meus olhos para o monte da tragédia angriana e pergunto: "Senhor, de onde virá o socorro???"

De onde virá o socorro para os corações despedaçados???
De onde virá o socorro para os hóspedes da tragédia???

Não sei como, não sei quando, só sei que o som dos gemidos, dos choros e dos prantos que reverberam no monte daquela tragédia, hão de ecoar dizendo:

"O socorro virá do Senhor que fez o céu e a terra"...